O Casal
Ana Beatriz e Marcos eram o que se chamava de o casal perfeito. Lindos e ricos. Ela de uma tez bronzeada, olhos verdes brilhantes, cabelos negros e compridos abaixo da cintura, corpo bem desenhado. Ele, por sua vez, moreno claro, olhos vibrantes, braços torneados, caixa torácica sobressaltada. Socialmente amados e de imagem imaculada: não bebiam em excesso, não fumavam, exercitavam-se diariamente, falavam línguas. Eram o brilho dos pais e de seus vários admiradores sociais. E a simpatia? Não havia em toda região quem não gostasse do casal. Quando iniciaram o namoro, todos fizeram muito gosto. Ana Beatriz estava finalizando o curso em direito, não que ela entendesse necessariamente de leis, mas seu pai fazia questão, era bom para sua imagem de empreendedor ter filha advogada. Marcos, já estava em seu último ano de engenharia, com projetos certos na empresa de seu pai.
O casamento aconteceu depois de um ano de namoro. Foi ao ar livre, na praia, monitorado pelo jornal e com fotos para a coluna “comunidade rica”. Ela chegou à areia de barco, com vestido esvoaçante, tão branco como seus dentes clareados. Ele, de camisa azulada e calção social, ambos de chinelo, para combinar com as areias.
A felicidade era geral, não havia casal mais feliz e realizado! Não havia festa mais bem organizada e de causar inveja, a quem se dava ao trabalho do sentimento. Lua de mel? Na Europa, claro! Partiram os dois pombinhos logo depois da cerimônia.
A Amiga
Vivian era a melhor amiga de Ana Beatriz desde sempre. Estudaram juntas no mesmo colégio particular. A primeira por ser rica, a segunda por ser filha do motorista do pai de Beatriz. Porém, isso não as impedia de tamanha amizade e comprometimento. Vivian tinha algumas dificuldades nos estudos, eis que a gentileza e bondade de Beatriz sempre a auxiliava. É certo que durante os anos de faculdade, Ana também a auxiliaria, não somente a pagar os estudos, como também a conquistar pequenos prazeres, por exemplo, uma viagem a Disney, que era o sonho de Vivian, uma bolsa Prada de presente de aniversário, um anel de ouro sem motivo algum. Mas para quem é nascida de berço, o que é um pequeno presente de ouro em pagamento de tamanha amizade e lealdade?
Vivian a tratava como a melhor pessoa que já conhecera, e é bem provável, que tenha sido a melhor mesmo. Sempre a estender-lhe tapete vermelho, elogios, conselhos amorosos. Quando Ana conheceu Marcos, Vivian foi a primeira a saber e também, a primeira a conhecê-lo.
— Sim, amiga! Ele é a sua cara, esse sim vale a pena investir.
— Ora essa, investir! Vivian, você tem cada uma... Homem não é bolsa de valores não! Eu amo ele.
— Pode ser amiga, pode ser — dizia Vivian com um sorriso maroto no rosto.
No dia do casamento, Vivian estava na primeira fila, junto à família de Ana Beatriz e Marcos. Foi a primeira a abraçá-los e desejar boa-viagem e felicidades. Boa e fiel amiga!
A volta da lua de mel
Após trinta dias, estavam de volta ao Brasil mais lindos e bronzeados do que nunca. Vivian, assim como a família de ambos, foi aguardá-los no aeroporto e, obviamente, foi a primeira a cumprimentá-los.
— Meu Deus, amiga! Quase morri de tantas saudades de vocês. Olhe, não me façam mais isso, hein?! — disse Vivian.
Ao que os dois, responderam:
— Na próxima levamos você.
— Olha que cobrarei, heim? — responde Vivian.
Seguiram todos ao restaurante mais caro da cidade, restaurante japonês, o preferido de Vivian, para jantar.
Nas semanas seguintes, os encontros entre Vivian e o casal eram rotineiros. Três ou quatro vezes na semana para almoços em restaurantes caros, cinemas, teatros, tudo escolhido pela melhor amiga de Beatriz, e pago pelo casal. Tudo regado de boa conversa, risada e profunda amizade. Vivian morava no subúrbio, apartamento pequeno e nada acolhedor, que a amiga ajudava a pagar quando o sufoco de um desemprego, algo bem comum na vida de Vivian, ou qualquer outra intempérie acontecia na vida da pobre.
Marcos percebia e, algumas vezes, tentou questionar Beatriz sobre essa relação. Em algumas conversas, deu a entender à amada o quando Vivian “abusava” de sua bondade. Mas percebendo a tristeza da esposa ao falar da amiga, resolveu não tocar mais no assunto, afinal de contas, o que é o dinheiro perto de uma amizade profunda de tantos anos? E, aos poucos, ele mesmo se viu simpatizado por Vivian. Moça dedicada, inteligente e alegre, valia a pena tê-la por perto.
A loucura
Dois anos e meio de casados. Havia sete meses que Marcos vinha apresentando alguns hábitos que começavam a assustar Beatriz: passava noites em claro, não trabalhava direito, não comia, o corpo atlético perdia massa e cor. Não achava mais graça nos passeios, tampouco, nas conversas em trio. Aos poucos, a conexão entre eles estava se perdendo. A esposa, profundamente preocupada, tentava conversar com o amado de todas as formas, porém só conseguia um balbuciar:
— Estou só cansado, querida, só cansado. — Virava o rosto tristemente.
A amiga e confidente tentou ajudá-la de todas as formas. Procuraram juntas psicólogo, psiquiatra, macumbeiro, reikiano e nada, absolutamente, nada.
Cansada e desesperada, Ana Beatriz desabafou:
— Vivian, desisto! Não consigo mais lidar com toda essa dor do Marcos. Eu não entendo, não sei como agir.
— Não se entristeça, minha amiga. Deve ser algo do trabalho, já conversou com o pessoal lá? Quem sabe eles te darão alguma pista.
— Que boa ideia, amiga! Irei amanhã mesmo. — respondeu Beatriz.
— Vem, vamos jantar só nós duas. Deixe Marcos descansar. Você precisa se animar um pouco, dois doentes em casa não há quem se salve, não é mesmo? Hoje eu pago.
— Ora essa, dona Vivian, tá podendo assim, é? Esse seu trabalho novo está te rendendo, hein?! Em menos de um ano, carro e apartamento novo. Você é tão batalhadora… Fico tão feliz por você, amiga!
— Pois é! Tanto investimento na minha carreira e agora tudo dando certo. Mas pelo amor de Deus, chega de falar de mim, vamos falar de você … Como se sente? — e continuaram a falar de Marcos e suas tristezas durante todo o jantar.
Ao voltar para casa, Beatriz entra no quarto e se depara com o corpo de Marcos pendurado no lustre de cristal, valiosíssimo, no meio do quarto. A amiga que a acompanhava, abraçou-a. Com gesto demasiado teatral, disse:
— Pobrezinho do Marcos, a loucura tomou conta de sua alma!
A Pedra
Vivian tomou conta de todos os detalhes para a amiga. Ligou para os parentes, chamou a polícia, ajustou os detalhes do enterro e todas as questões necessárias. Depois de tudo, ajudou a amiga a tomar banho e se vestir. Dormiu na casa dela e acompanhou-a no enterro no dia seguinte. Depois de uma semana na casa de Ana Beatriz estendendo seu profundo apoio e amor, precisou ir no seu apartamento.
— Preciso regar as plantas. Daqui há alguns dias eu volto, fique tranquila.
Pegou seu carro importado e parou em frente a um “pub”, o mais badalado na cidade. Chegando lá, Vivian se preencheu com tudo que ela mais gostava: bebida, música alta e homens. Dali, partiu para um motel acompanhada de dois rapagões, jovens, bonitos e atléticos, como ela gostava. Fartou-se como pode. No dia seguinte, retornou para sua cobertura de enorme piscina e com vista para o mar, sem nenhuma planta. Tomou banho, apertou o botão da cafeteira importada e tirou uma xícara de café expresso puro. Sentou-se na varanda de vidro e mirou o mar. Abriu um bilhete escrito, à mão, por Marcos há mais ou menos um ano atrás.
“Vivian, não conte nada a Ana ela jamais suportará. O que você quer para que nossa noite fique apenas entre nós? Carro? Casa? Dinheiro? Te darei tudo, tudo. Só te peço, não espalhe essa história, minha família e nossos conhecidos jamais entenderiam. Apague o vídeo, por favor! Eu te dou tudo, tudo que quiseres! Por favor”
— Marcos, Marcos… Menos uma pedra no meu sapato! Poderia ser tudo tão diferente, se você não fosse tão paspalho! Consumido pela culpa, aff! paspalho.
Rasgou o pedacinho de papel que guardava havia tantos meses. Pegou o telefone, abriu um vídeo, assistiu novamente, se deliciou com as cenas pela última vez e deletou. Abriu outro vídeo, mais recente, assistiu, gargalhou, encaminhou para Ana Beatriz. Dali a quinze minutos, recebeu uma mensagem.
— Vivian, o que você quer para que nossa noite fique entre nós? Minha família, meus amigos ...
Rose Rabelo
Escritora