quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Café

 



O aroma das manhãs;

Expresso

Para o primeiro convite;

Capuccino

Para fortalecer as amizades;

Frappe

Depois de um amor gostoso;

Duplo

Debaixo do cobertor acompanhados de um livro;

Mocha

Fortalecendo os laços;

Latte

Quase um abraço;

Macchiato

Misturado num beijo roubado ;

Amor em maré ...

Café!

Rose Rabelo
Autora

Poema Publicado na revista literária "Escrita Cafeína", seção cappuccino pequeno.


terça-feira, 29 de setembro de 2020

Os sapatos


    Desciam os sapatos pelas ruas da cidadela. Caminhavam apressados e com graça. Brilhantes, de couro bem tratado e certamente de fino dono, pois sua marca europeia não lhe deixava mentir. Faziam contatos laterais um com outro, paravam vez ou outra para que suas pernas pudessem descansar ou encontrar outros sapatos que pudessem se vangloriar. Afinal, nenhum sapato neste fim de mundo seria tão galante quanto ele.

    Atravessaram toda a praça da cidade, o chão de paralelepípedo brilhava quando pisados por eles, pelo menos era o que pensavam. Um banco comprido e largo foi avistado, suas pernas pararam. Um pequenino sapatinho desbotado surgiu, muito ao longe. Eram sapatos femininos, mas não possuíam tanta graça e cores como os que estavam acostumados a encontrar. Sentiram certa estranheza. O dois desengonçados caminhavam apressadamente ao seu encontro. Uma leve sensação de embrulho surgiu, não que sapatos tenham estômago, mas o sentimento foi real, é o que importa!

    Quando os pequenos sapatinhos pararam tímidos e um tanto vexados à sua frente. Os masculinos sorriram, porém não perceptivelmente, deram daqueles sorrisos para dentro não possíveis de observar a olhos nu. Foram poucos minutos ali, parados a observar e comparar de forma minuciosa e profunda, aqueles sapatinhos um tanto sem cor, amarelados, gastos e pouco interessantes. Sapatinhos que hora trepidavam os saltinhos, hora as pontas, pareciam nervosos. Saltos baixíssimos, nada parecidos com os saltos esguios e altíssimos das francesas e os brilhos das polacas que estavam acostumados. E as plumas? Ahhh, as plumas! Bastava um centímetro de aproximação para que aquelas pequenas esfregassem-se nas pontas de seu lustroso couro e ali ficassem. Frente a frente, às vezes, lado a lado, por uma noite ou duas … tudo dependia das vontades de suas pernas. Sapatos felizes!

    Uma pergunta era saliente naquele encontro. O que queriam suas pernas com aquelas dos dois pequenos e velhos sapatinhos?

    Conversa finda. Aos sapatos servem a missão de voltar à casa. Entrar pelos grandes portões luxuosos de sua mansão. Recostar-se em seu luxuoso Canapé. Enquanto seu dono, Fernando um tanto embriagado com uísque caro, sorri e observa seu patrimônio que herdaria da uns anos. E dava-se ao direito de esquecer o compromisso que firmara há alguns minutos atrás, com uma moça um tanto mais jovem que ele de sapatinhos empoeirados. Não por maldade ou falta de querer. Talvez, por culpa da bebida, da falta do que fazer ou da própria consciência que o arrebatou e tragou seu corpo ao fundo do canapé em sono profundo e sem hora para acordar, talvez …

    Jamais saberemos, sapatos não costumam prender-se tanto a detalhes acima de suas pernas.


Rose Rabelo

Autora

quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Em Tempos de COVID-19


 Poema Publicado no Boletim da Secretaria de Saúde de São José, Santa Catarina.

Edição de Agosto, 2020.

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Aqui Dentro

                                                      


                                                       Lá fora o sol brilha                                                                             

                       Aqui dentro a mais repleta escuridão                                                                   

                              O silêncio, às vezes, cansa                                                                     

                          Deveria ter adotado um cachorro                                                             

                        Mas encasquetei com um coelho (... )                                                         

                                     SILÊNCIO TOTAL! 

 

Rose Rabelo

Autora

sábado, 5 de setembro de 2020

Reflexões de um Rio sem Margem

  



     Mergulhei naquele rio de águas turvas. Um mergulho profundo em minha consciência. Estava silencioso, a princípio, um calafrio revestido de medo. Um vazio. O ar gélido entra por meus poros e fica. A morte passa perto todos os dias, o choro tranca, a voz não sai, o tempo passa, quero que passe logo, ele não passa. Rezo, penso, quero, deixo. Que dias melhores aconteçam, que dias melhores venham, que os que amam fiquem. Que saudade de dançar, nenhum movimento sai de meu corpo há mais de três meses, sinto falta mas a tristeza às vezes é tão maior que qualquer força de movimento físico. O palco, a platéia, os sorrisos, os aplausos, que saudades! O centro do palco, as luzes em meus olhos, as demarcações que eu detestava e agora até isso me faz falta. Odeio o barulho da música dos vizinhos, ser obrigada a escutar música que não gostamos é totalmente devastador. É enterrar a própria paciência em buraco único sem abertura. Vou beber para passar o incômodo, vou tomar um remédio para anestesiar a dor, vou fingir que não estou aqui. O barulho continua, as risadas aumentam, a irritação permanece do lado de cá. Enfim a paz! Tocando em toda a minh’alma! Como um rio que corre em movimentos arredondados, nunca parando, desaguando em águas maiores. É assim em certos momentos quando o silêncio me toca. Um anjo conversando com minha alma, uma dor que se foi e às vezes volta só para dizer que ainda está ali, mesmo não querendo que ela esteja. É um pavor no fundo da alma que escurece tudo ao redor. É uma dor que não passa e fica, fica, fica. Um sol que brilha e toca meu rosto como se me dissesse que ainda tenho força para continuar. É a paz que persigo e não consigo alcançar, não seria mais inteligente não perseguir? Talvez encontrar? Como se faz? Será que alguém um dia poderá responder?

 

Rose Rabelo

Autora 


domingo, 16 de agosto de 2020

O Favor


    Mariana era mulher equilibrada e silenciosa. Quando Fernando a conheceu, deu graças a Deus!    

    Encontrei a mulher certa, meus amigos — Falou para os amigos do bar.

    Isso aí? Aff! Não dura um mês, Nandinho. Você? Com mulher fixa? Sem bater ponto no bar? Tô pra ver …

    Pois você, meu amigo, verá! Essa mulher mexeu comigo. Olhe! olhe bem. — Estendeu o celular na fuça do colega — Nenhuma ligação, nenhuminha! Ela me deixa ser quem eu sou um ...

    Bêbado e mulherengo?

    Não, palhaço! um homem F-E-L-I-Z, feliz, ela aceita meu jeito.

    E aceitava mesmo. Mariana era mulher trabalhadora, lecionava durante as manhãs, à tarde tinha alunos particulares e à noite fazia um curso de pós-graduação. De modo que não tinha muito tempo para ficar no encalço de Fernando, como muitas das mulheres que ele se relacionava. Talvez por esse motivo, ela mexera com ele. Quando começou a sair com o rapaz, as amigas alertaram:

    Mari, mulher, tu toma cuidado com esse homem, ele não é flor que se cheire não. Olhe que ele tem uma fama de mulherengo que não alcança nenhum outro por aqui, viu?

    Eu acredito na força do amor, minhas amigas — Respondia ela, apaixonada.

    E o namoro continuou. Seis meses depois, estavam Mariana e Fernando casados. A vida parecia ótima; porém, depois de um mês de comunhão, tudo mudou, quando o rapaz foi demitido do trabalho. Mari, como tinha dois empregos, passou a acolher todos os pagamentos da casa, enquanto Fernando procurava um novo afazer. Nas primeiras semanas, o marido saiu a distribuir currículos todos os dias; porém, ao final de duas semanas, o bar o atraía como um ímã, no que ele sem parcimônia atendia. A princípio, a passagem pelos botecos era somente ao final do dia, mas, com o tempo, Fernando se estendia nas conversas, na cachaça e principalmente nos encontros furtivos.

    Sete meses se passaram. Fernando, além de não encontrar trabalho, não procurava mais. Saía todos os dias, é verdade, mas para beber com os amigos. Mariana, por sua vez, dobrara sua carga horária no colégio, a fim de pagar todas as contas extras. Com isso, ela parou de comprar livros, tomar seu café de todas as quartas com as amigas, fazer suas unhas semanalmente, pois tudo isso custava muito dinheiro e era uma vaidade boba! Era preciso economizar cada centavo. Afinal, os casados precisam se ajudar nos momentos difíceis, e o mais importante agora era investir em seu marido, seu relacionamento, seu amor.

    A vida a dois ficou ainda mais insustentável quando, em um lavar de roupas, Mariana encontrou um pincel de maquiagem usado no bolso da calça do marido. A princípio, ela ficou petrificada; em seguida, tentou se convencer de que aquele pequeno pincel que ela jamais tinha visto na vida era dela. Angustiada, procurou o marido. Logo no início da conversa, Fernando se jogou no chão, agarrou-se em suas pernas chorando e jurou nunca ter visto tal objeto.

    Emprestei essa calça a meu irmão, deve ter saído de lá essa porcaria, confia em mim, você é minha preciosidade. Eu juro por minha mãe morta, juro! Juro!

    Ela não tocou mais no assunto, resignou-se e continuou seus trabalhos. Chegava em casa cansada, com olheiras e uma bronquite constante, fruto do vício em cigarros do marido. Tomava banho e sentava para corrigir as provas dos alunos, muitas vezes deitava para dormir sem a presença de Fernando, que se mantinha nos bares.

    Num raro dia em o marido resolveu chegar em casa cedo, deitaram na cama, ele no celular, não trocou uma única palavra com ela. Mais tarde, observou-o levantando sorrateiramente no meio da madrugada com o aparelho nas mãos, foi até o banheiro respondeu para alguém e voltou para cama com um sorriso malicioso nos lábios. Nessa mesma semana, ela, em outro lavar de roupas, encontrou uma unha postiça no bolso da calça do marido. Respirou fundo, chorou alguns minutos, um choro seco e profundo, guardou a unha em um potinho de vidro e aguardou o marido dormir. Depois de beber algumas caipirinhas, ele deitou. Ela levantou e pegou o celular dele. A princípio se sentiu um pouco culpada, ficou olhando para o aparelho sem coragem de desbloqueá-lo. Respirou fundo e disse para si:

    Chega Mari, passou da hora de você ver e crer!

    E viu mesmo. Várias fotos do marido com outra mulher, mensagens eróticas e conversas descrevendo noites de sexo e cenas promíscuas. Mariana, porém observou que não havia apenas uma, mas eram várias mulheres com quem o marido mantinha contato. Contudo, havia a regularidade de uma delas. Procurou nas redes, e lá estava ela. Branca, esguia, advogada, com um filhinho, divorciada, gaúcha e moradora do mesmo bairro da família do marido. Era o que o perfil da moça declarava. Um ódio profundo abraçou Mariana. Começou a lembrar de todos os domingos que ele saia pela manhã perfumado, como ele nunca fazia dizendo que iria visitar à família. Lembrou também do dia que foi a sua médica e a ginecologista disse tristemente:

    Mariana, você está com o útero comprometido. É provável que não poderá ter filhos.

     Na mesma hora, com o coração apertado, enviou um áudio ao marido. 

Amor, estou no hospital vou fazer uma bateria de exames. Estou com medo e muito nervosa … talvez não possamos ter filhos.

Em menos de dez minutos, recebeu cinco áudios do marido contando o quanto ele também estava triste, pois havia acabado de sair do mecânico e sua moto não teria mais conserto. Além disso, ele precisava de mais dinheiro pois achava que teria que comprar um carro.

Interrompeu as lembranças, respirou fundo, largou o celular e foi ao banheiro, tirou a roupa e tomou um banho quente para chorar tudo o que não poderia no quarto. Voltou e deitou ao lado de Fernando sentindo nojo dele e de si. Desejava não o amar tanto assim, não desejá-lo, não querer um filho, nem uma família com ele. Mas queria, Essa era a verdade. E naquela mistura de amor e ódio dormiu com uma ideia fixa na cabeça.

    No dia seguinte, como se nada tivesse acontecido, foi ao trabalho. Na volta para casa, sentou-se no sofá e disse a Fernando:

       Nando, precisamos conversar. Podes sentar aqui ao meu lado, por favor.

    Claro. — Respondeu com ar desconfiado.

    Então, amor, tenho uma coisa para te dizer.

    O que foi? Tá tudo bem com você? — Falou com os olhos arregalados.

    Nada, meu filho. Só queria te dizer que no final de semana vou a um congresso fora da cidade e queria saber se você ficaria confortável sozinho em casa.

    Ah! Era isso? Mas que pergunta, claro meu amor, vá tranquila!

    Que bom! E não se preocupe, sim, que o colégio pagará todas as minhas despesas!

    Ah! Que bom!

    Vais precisar de dinheiro?

    Se puderes me deixar algum para tomar uma cervejinha, tá tudo certo!

    Claro que sim!

    No sábado pela manhã, saiu Mariana com uma pequena mala de poucas roupas para o tal congresso. Deu uma volta na cidade, foi ao calçadão, tomou um sorvete enquanto olhava as pessoas a passear na beira da praia. Entrou em uma livraria, respirou profundamente, sentiu o cheiro dos livros novos e exclamou:

    Ah! Que saudades! Quanto tempo ... Hoje, me darei um livro novo!

    À tardinha, voltou para casa, parou em uma árvore em frente ao prédio e ficou a espreita. Às 22:30, parou um carro, desceu uma mulher elegante, esguia, tez branca, cabelo na altura do ombro, liso e bem tratado, vestido esvoaçante. Percebeu algo de familiar nas feições dela e erguendo-se, teve certeza, era a mesma das conversas no celular do marido.

    Aguardou alguns instantes e subiu. Esperou cerca de quarenta minutos ao lado da porta e enfiou a chave na fechadura lentamente, abriu e entrou sem ser notada, seguiu até o quarto e encontrou os dois amantes deitados nus, ainda suados, lado a lado. Ficou ali, sem balbuciar palavra alguma, totalmente petrificada, o coração batia em sua garganta, porém a voz não saia. O marido, em um relance de olhar, percebeu seu vulto e saltou da cama em choque.

    O que você faz aqui, Mariana?

    Ela, como se tivesse acordado de um pesadelo, bradou o mais alto urro que se pôde ouvir. Seguiu para a cozinha e pegou uma faca. Fernando, tentando se proteger correu para trás da amante, enquanto Mariana gritava:

    EU MATO VOCÊS DOIS, EU MATO!

    O marido, em um impulso, enrolou-se nos lençóis de cama, agarrou a amante e saltou para fora do apartamento.

    Mariana, fechou a porta com os olhos cheios de lágrimas. Passou pela pia, jogou a faca. Lavou o rosto. Tirou um champagne que tinha escondido no fundo da geladeira, abriu, serviu-se. Sentou em sua confortável cadeira na varanda do prédio. Respirou fundo, sem sentir cheiro de cigarro.

    Obrigada, Daiane, pelo favor prestado, agora o problema é seu, sua besta!

    Pegou o potinho com a unha postiça, olhou pela última vez, mirou, atirou para fora da janela e sorriu, como há muito tempo não fazia.


Rose Rabelo

Autora

domingo, 9 de agosto de 2020

Amores de Verão



    Quatro olhos, dois corações: uma Lagoa da Conceição nata; O outro, Copacabana naturalizado. Um sorriso, alguma conversa, vários beijos, um par de confissões. Enfim, amantes! Duas semanas depois, foi-se Copacabana de volta a seu calçadão, ficou em Florianópolis uma Lagoa parada. Foi-se Copacabana para fora do país. A paixão se transformou em tristeza; a tristeza, em lamento; o lamento, em lembranças e, as lembranças, em sorrisos de tempos em tempos.


Rose Rabelo 

Autora

sábado, 1 de agosto de 2020

Os Bem Casados


O Casal


    Ana Beatriz e Marcos eram o que se chamava de o casal perfeito. Lindos e ricos. Ela de uma tez bronzeada, olhos verdes brilhantes, cabelos negros e compridos abaixo da cintura, corpo bem desenhado. Ele, por sua vez, moreno claro, olhos vibrantes, braços torneados, caixa torácica sobressaltada. Socialmente amados e de imagem imaculada: não bebiam em excesso, não fumavam, exercitavam-se diariamente, falavam línguas. Eram o brilho dos pais e de seus vários admiradores sociais. E a simpatia? Não havia em toda região quem não gostasse do casal. Quando iniciaram o namoro, todos fizeram muito gosto. Ana Beatriz estava finalizando o curso em direito, não que ela entendesse necessariamente de leis, mas seu pai fazia questão, era bom para sua imagem de empreendedor ter filha advogada. Marcos, já estava em seu último ano de engenharia, com projetos certos na empresa de seu pai.

    O casamento aconteceu depois de um ano de namoro. Foi ao ar livre, na praia, monitorado pelo jornal e com fotos para a coluna “comunidade rica”.  Ela chegou à areia de barco, com vestido esvoaçante, tão branco como seus dentes clareados. Ele, de camisa azulada e calção social, ambos de chinelo, para combinar com as areias.

    A felicidade era geral, não havia casal mais feliz e realizado! Não havia festa mais bem organizada e de causar inveja, a quem se dava ao trabalho do sentimento. Lua de mel? Na Europa, claro! Partiram os dois pombinhos logo depois da cerimônia.


A Amiga


    Vivian era a melhor amiga de Ana Beatriz desde sempre. Estudaram juntas no mesmo colégio particular. A primeira por ser rica, a segunda por ser filha do motorista do pai de Beatriz. Porém, isso não as impedia de tamanha amizade e comprometimento. Vivian tinha algumas dificuldades nos estudos, eis que a gentileza e bondade de Beatriz sempre a auxiliava. É certo que durante os anos de faculdade, Ana também a auxiliaria, não somente a pagar os estudos, como também a conquistar pequenos prazeres, por exemplo, uma viagem a Disney, que era o sonho de Vivian, uma bolsa Prada de presente de aniversário, um anel de ouro sem motivo algum. Mas para quem é nascida de berço, o que é um pequeno presente de ouro em pagamento de tamanha amizade e lealdade?

    Vivian a tratava como a melhor pessoa que já conhecera, e é bem provável, que tenha sido a melhor mesmo. Sempre a estender-lhe tapete vermelho, elogios, conselhos amorosos. Quando Ana conheceu Marcos, Vivian foi a primeira a saber e também, a primeira a conhecê-lo.

— Sim, amiga! Ele é a sua cara, esse sim vale a pena investir.

— Ora essa, investir! Vivian, você tem cada uma... Homem não é bolsa de valores não! Eu amo ele.

— Pode ser amiga, pode ser — dizia Vivian com um sorriso maroto no rosto. 

    No dia do casamento, Vivian estava na primeira fila, junto à família de Ana Beatriz e Marcos. Foi a primeira a abraçá-los e desejar boa-viagem e felicidades. Boa e fiel amiga!


A volta da lua de mel 


    Após trinta dias, estavam de volta ao Brasil mais lindos e bronzeados do que nunca. Vivian, assim como a família de ambos, foi aguardá-los no aeroporto e, obviamente, foi a primeira a cumprimentá-los. 

— Meu Deus, amiga! Quase morri de tantas saudades de vocês. Olhe, não me façam mais isso, hein?! — disse Vivian.

    Ao que os dois, responderam:

— Na próxima levamos você.

— Olha que cobrarei, heim? — responde Vivian.

    Seguiram todos ao restaurante mais caro da cidade, restaurante japonês, o preferido de Vivian, para jantar.

    Nas semanas seguintes, os encontros entre Vivian e o casal eram rotineiros. Três ou quatro vezes na semana para almoços em restaurantes caros, cinemas, teatros, tudo escolhido pela melhor amiga de Beatriz, e pago pelo casal. Tudo regado de boa conversa, risada e profunda amizade. Vivian morava no subúrbio, apartamento pequeno e nada acolhedor, que a amiga ajudava a pagar quando o sufoco de um desemprego, algo bem comum na vida de Vivian, ou qualquer outra intempérie acontecia na vida da pobre. 

Marcos percebia e, algumas vezes, tentou questionar Beatriz sobre essa relação. Em algumas conversas, deu a entender à amada o quando Vivian “abusava” de sua bondade. Mas percebendo a tristeza da esposa ao falar da amiga, resolveu não tocar mais no assunto, afinal de contas, o que é o dinheiro perto de uma amizade profunda de tantos anos? E, aos poucos, ele mesmo se viu simpatizado por Vivian. Moça dedicada, inteligente e alegre, valia a pena tê-la por perto.


A loucura


    Dois anos e meio de casados. Havia sete meses que Marcos vinha apresentando alguns hábitos que começavam a assustar Beatriz: passava noites em claro, não trabalhava direito, não comia, o corpo atlético perdia massa e cor. Não achava mais graça nos passeios, tampouco, nas conversas em trio. Aos poucos, a conexão entre eles estava se perdendo. A esposa, profundamente preocupada, tentava conversar com o amado de todas as formas, porém só conseguia um balbuciar:

— Estou só cansado, querida, só cansado. — Virava o rosto tristemente.

    A amiga e confidente tentou ajudá-la de todas as formas. Procuraram juntas psicólogo, psiquiatra, macumbeiro, reikiano e nada, absolutamente, nada.

    Cansada e desesperada, Ana Beatriz desabafou:

— Vivian, desisto! Não consigo mais lidar com toda essa dor do Marcos. Eu não entendo, não sei como agir.

— Não se entristeça, minha amiga. Deve ser algo do trabalho, já conversou com o pessoal lá? Quem sabe eles te darão alguma pista.

— Que boa ideia, amiga! Irei amanhã mesmo. — respondeu Beatriz.

— Vem, vamos jantar só nós duas. Deixe Marcos descansar. Você precisa se animar um pouco, dois doentes em casa não há quem se salve, não é mesmo? Hoje eu pago.

— Ora essa, dona Vivian, tá podendo assim, é? Esse seu trabalho novo está te rendendo, hein?! Em menos de um ano, carro e apartamento novo. Você é tão batalhadora… Fico tão feliz por você, amiga!

— Pois é! Tanto investimento na minha carreira e agora tudo dando certo. Mas pelo amor de Deus, chega de falar de mim, vamos falar de você … Como se sente? — e continuaram a falar de Marcos e suas tristezas durante todo o jantar.

    Ao voltar para casa, Beatriz entra no quarto e se depara com o corpo de Marcos pendurado no lustre de cristal, valiosíssimo, no meio do quarto. A amiga que a acompanhava, abraçou-a. Com gesto demasiado teatral, disse:

— Pobrezinho do Marcos, a loucura tomou conta de sua alma!

A Pedra


    Vivian tomou conta de todos os detalhes para a amiga. Ligou para os parentes, chamou a polícia, ajustou os detalhes do enterro e todas as questões necessárias. Depois de tudo, ajudou a amiga a tomar banho e se vestir. Dormiu na casa dela e acompanhou-a no enterro no dia seguinte. Depois de uma semana na casa de Ana Beatriz estendendo seu profundo apoio e amor, precisou ir no seu apartamento.

 — Preciso regar as plantas. Daqui há alguns dias eu volto, fique tranquila.

    Pegou seu carro importado e parou em frente a um “pub”, o mais badalado na cidade. Chegando lá, Vivian se preencheu com tudo que ela mais gostava: bebida, música alta e homens. Dali, partiu para um motel acompanhada de dois rapagões, jovens, bonitos e atléticos, como ela gostava. Fartou-se como pode. No dia seguinte, retornou para sua cobertura de enorme piscina e com vista para o mar, sem nenhuma planta. Tomou banho, apertou o botão da cafeteira importada e tirou uma xícara de café expresso puro. Sentou-se na varanda de vidro e mirou o mar. Abriu um bilhete escrito, à mão, por Marcos há mais ou menos um ano atrás. 


“Vivian, não conte nada a Ana ela jamais suportará. O que você quer para que nossa noite fique apenas entre nós? Carro? Casa? Dinheiro? Te darei tudo, tudo. Só te peço, não espalhe essa história, minha família e nossos conhecidos jamais entenderiam. Apague o vídeo, por favor! Eu te dou tudo, tudo que quiseres! Por favor”


— Marcos, Marcos… Menos uma pedra no meu sapato! Poderia ser tudo tão diferente, se você não fosse tão paspalho! Consumido pela culpa, aff! paspalho.

    Rasgou o pedacinho de papel que guardava havia tantos meses. Pegou o telefone, abriu um  vídeo, assistiu novamente, se deliciou com as cenas pela última vez e deletou. Abriu outro vídeo, mais recente, assistiu, gargalhou, encaminhou para Ana Beatriz. Dali a quinze minutos, recebeu uma mensagem.

— Vivian, o que você quer para que nossa noite fique entre nós? Minha família, meus amigos ...


Rose Rabelo

Autora

O Monstro Interno



  





    Andava a passos vagos na rua escura. O chão era de paralelepípedo; a noite solitária e fria, o vazio interno era tão grande que o ar gelado não me afetava.
    Estava só, completamente só, não avistava uma única alma por todo o caminho, apenas os passos de meus próprios pés sussurravam em meus ouvidos.
    Eis que mais dois passos surgiram por detrás de mim.
    — Quem seria? O que queria? — falei baixinho.
    Por entre as vidraças das casas avistei um sujeito alto, esguio, vestimenta negra e um capuz da mesma cor,cobrindo por completo seu rosto, se é que tinha rosto.
    Resolvi verificar se estava me seguindo mesmo, então diminui os passos, o sujeito os dele, aumentei os passos, o pretume os dele. Foi quando num solavanco gritei:
    — O que queres afinal coisa horrenda?
    A criatura, como fumaça, sumiu por entre o frio e a neblina.

 .... Novamente sou eu e apenas os meus passos na calçada escura e fria!

Rose Rabelo
Autora